segunda-feira, novembro 28, 2005

O amor (ou o comecinho dele)

Eu tinha um pequeno problema na hora de amarrar o kichute. E tênis em geral. Em vez de fazer um laço, circula-lo, fazer o outro laço e passar pelo buraco que o dedo fazia, eu fazia dois laços e dava o nó. Como os mais velhos faziam da primeira maneira, estava eu, na pequena salinha que existia na entrada da sala de aula de fato, tentando amarrar e tendo um pouco de dificuldade. Era o final da aula e todo mundo tava saindo. Fiquei lá nas tentativas, quando reparei que Miss J tava por ali, me olhando e sorrindo. Do alto de seu ano a mais que eu, puxou assunto.

- Ei, Sandro, quer ajuda?
- Não, não precisa. Eu sei fazer!
- Sabe nada, dá aqui... Tá vendo, coloca o dedão pra fazer o buraco...
- Bah... Eu sabia, ora...
- Sabia nada...

Com orgulho ferido, resolvi entrar na sala pra esperar que todos fossem embora, pra só depois sair. Ela me seguiu, me puxou pelo braço e aí, ao contrário do que diz o personagem de Ewan Mcgregor em Peixe Grande, tudo fico em câmera absurdamente rápida. Ela pegou no meu ombro com uma das mãos, olhou bem sério pra minha boca e me deu um beijo. Um beijo por um tempo curto demais, soltou uma risada baixinho e saiu correndo. Beeem rápido.

Nesta hora é que tudo ficou na velocidade normal. Na verdade devagar demais e eu fiquei com aquela cara de bobo pensando. Quer dizer, pensando em nada. Dizem que a gente não consegue ficar sem pensar em nada. No máximo pensando que não tá pensando em nada. Eu tenho certeza que consegui. E com aquela cara abobalhada...

sexta-feira, novembro 25, 2005

A ilha perdida

Num dos livros/cartilhas velhos do Fefedo que eu folheava enquanto aprendia a ler, havia aqueles pequenos trechos de livros, que serviam para que o aluno aprendesse a interpretação de texto, com aquelas perguntas manjadas logo depois, nas páginas seguintes. Um destes textos era a primeira página do livro A ilha perdida. Clássico livro da Maria José Dupré, e um dos primeiros, se não 'O' primeiro livro da coleção Vaga-lume. Eu li o trecho, adorei a coisa toda, mas nem pensei em ler o livro.

Na segunda série eu descobri a biblioteca do Gaspar Dutra. Minha escola era das mais humildes e a biblioteca acompanhava. Era muito raro que os alunos emprestassem livros e mesmo que quisessem, o acervo era de uma pobreza franciscana. Com isso, eu era o único que dava as caras por lá. Logo no primeiro dia eu fui perguntar para a moça que cuidava se tinha ‘A ilha perdida’. Ela ficou contente com o interesse e apontou para a estante que tinha os livros de literatura infantil.

Lembro que havia uns dez livros com os desenhos parecidos com a capa do livro que eu fui pegar. Logo eu descobri que fazia parte da mesma coleção, a chamada coleção Vaga-lume. Assim eu liguei Editora Ática e Vaga-lume como coisa boa. Levei o livro para casa e fui direto para o quarto folhear as aventuras de Henrique e Eduardo e suas peripécias na tal ilha do título. Fiquei as três semanas seguintes sem ver novela e jornal alucinado no livro que tinha em mãos.

Depois veio As Aventuras de Xisto, Escaravelho do Diabo, A Serra dos Dois Meninos, e mais os outros livros que tinham na biblioteca. com o tempo descobri que a coitada da Maria José Dupré só tinha acertado mesmo naquele livro e, talvez, no As Aventuras do Cachorro Samba. Boca quente mesmo era a Lucia Machado de Almeida.

Naquele ano lembro que a mulher me indicou os livros do Julio Verne e eu também li Vinte Mil Léguas Submarinas e Viagem ao centro da Terra. A volta ao Mundo em Oitenta Dias demorou pacas pra eu achar. Na segunda e terceira séries eu zerei a biblioteca. Mas isso não é assim tão digno de nota.

Elogio à bolada nos Países Baixos

Aloooco, liguei seo Desidério Erasmo, o de Rotterdam à bolada no saco... Hãn? Hãn? Got it? Espero que sim. Venho por meio desta explicar a as benesses de se levar um chute ou bolada nas ‘partes’. Aí vai o relato mais antigo que eu lembre disso tudo. Volta às aulas, segunda série, vam’bora jogar bola.

Estava um jogo mui equilibrado e, depois de um bate-rebate, a bola vai em direção ao goleiro. Por um cálculo rápido, eu – banheira de última hora -, achei que se corresse bastante, seria capaz de chegar na pelota antes do arqueiro adversário. É engraçado a quantidade de decisões você consegue tomar em um espaço tão curto de tempo. Conforme a ação se desenrolava, o cérebro funcionava. “Vou conseguir! tá quase! putz não vai dar! ele vai chutar em vez de agarrar! Vou dividir? Será que vou de frente? Vou virar de costas! Ah nem vou! Putaquepariu! Ai com dói! Burro! Devia ter pulado de costas...”

Engraçado que levar uma bolada no saco iguala a espécie humana. Já reparou que, não importa quem esteja jogando, Atletiba, Fla-Flu, Grenal, Ba-Vi Judeus vs Palestinos, tucanos vs petistas, time do he-man x time do esqueleto. Em todas estas pelejas, sem exceção, se acontecer um acidente desses, todo mundo pára pra acudir, não sem antes soltarem aquele solidário ‘ouch’! Não existe homem na face da terra que não dê aquele apoio moral, mesmo que, por dentro, esteja pensando: “Sorte que não foi comigo...”

Daí dá pra dizer que, mesmo de um caso sério e dolorido como esse, dá pra ver que algumas vezes, em algum momento, todo mundo esquece as diferenças. Claro que logo depois a bola (de futebol) volta a rolar e “tua mãe não é homem” é o xingamento mais ameno que se escuta.

Dizem que a dor de uma bolada dessas tem igual grau de dor de uma bolada nos seios, no correspondente feminino. Quem pode comparar? Só se um ser nascido hermafrodita quiser se sujeitar a esse experimento... Só sei dizer que dói. A dor mais lazarenta, aguda, com duração eterna, e que, numa batalha de vida ou morte, você chega e diz: “vai, pode matar, eu não farei nada diferente de levar as minhas duas mãos para o local, deitar no chão e clamar por uma morte rápida, que faça eu me livrar desta dor dos infernos...”. Ah! E que no inferno eu passe a morar num caldeirão fervente e não acorrentando na parede com belzebuzinhos dando bicudas no meu saco... Aí sim seria o inferno.

E, para os que têm medo do inferno, tenho quase certeza que se ele existe, é assim que vai ser, seu pecador!!! Acho que padres, pastores e afins deviam usar destas ameaças para fazer com que o pobre menino indefeso não faça mal-criações e siga os dez mandamentos direitinho. “Amar a deus sobre todas as coisas... contanto que ele não permita que eu vá pro inferno com aqueles chifrudos, munidos de pernas de Roberto Carlos, treinem faltas com o meu amiguinho como alvo...”.

Depois do ocorrido eu fiquei na lateral do campo, deitado em posição fetal, maldizendo minhas decisões e pensando, "meu deus, como dói isso!!"

segunda-feira, novembro 14, 2005

Dentes

Então. Um dente tá mole. Que que eu faço? Será que tem conserto? Paro de mexer?
- Manhêêêê!?
- Quê?
- Meu dente tá mole.
- Deixa eu ver, qual que é?
- Aqui, ó. Este do canto
- Esse?
- Na... o oto.. (tentar falar com uma mão dentro da boca não é fácil)
- É. Tá mole mesmo. Vai cair.
- Quê???? Não tem como arrumar? Curativo?
- Não... Vai cair, mas nasce outro.
- Por que vai cair?
- Pra nascer um outro, mais forte
- Vai doer?
- Não, só vai nascer outro.
- E o outro cai?
- Cai, mas daí não nasce outro
- Por quê?
- Porque sim
- ...
Segundos depois...
- Os outros vão cair também?
- Vão...

Dias depois, cai o dente.
- Mãe! Caiu!
- Deixa eu ver...
- Posso guardar?
- Não. Pra quê?
- Ah. O que eu faço com ele?
- Tua vô diz que você tem que jogar no telhado e pedir pra nascer logo o outro.
- E se cair do telhado?
- Não tem problema, nasce do mesmo jeito.
- ...
- Não passe a língua no buraco que nasce torto...

Lajeado

Por vários anos, natal e verão era sinônimo de ir pra Jaguariaíva passar os dias de festa com a parte paterna da família. Como o calor era grande, normalmente o pai pegava o caminhão, enchia de sobrinhos na carroceria e ia atrás de algum rio pra passar a tarde toda brincando na água.

Naquela cidade, estes rios eram chamados de lajeados, que são riachos que passam normalmente por pedras e que normalmente possuem pequenas cachoeiras. Nada muito perigoso de se levar uma criança quando se está atento.

Em um destes passeios, na virada entre 81 e 82, fui apresentado às queimaduras de sol. Não lembro se me queimei antes, mas em um dos passeios, meu pai resolveu ir num rio onde quem não sabia nadar só podia ficar num lugar muito raso, que mal dava pra molhar as canelas. Ele era o único adulto da história, valeu?

Com a chatice de se brincar num rio assim, fomos todos brincar na areia que ficava na beira do rio. Fomos todos vítimas do sol. Fomos todos pra casa com as costas vermelhas. Fomos todos dormir de bruços. Até onde eu lembro, a primeira noite mal dormida da história. Protetor solar? Bronzeador? Nunca ouvira falar...

sexta-feira, novembro 11, 2005

Tango

Pois é, quase que viro Tango. O João, em sua tentativa de falar 'Sandro', só conseguia me chamar disso. Como esse não é tão legal quanto Fefedo, só fui chamado assim por algumas semanas, depois virei Sango e enfim, tive meu nome de volta.

Já o Fefedo tem que aguentar o apelido pro resto da vida. Também, quem manda ter um pai maluco que o batizou de 'Ulisses Alfredo'. Como os pais, tios, e primos mais velhos lhe chamavam de algo parecido com Ulissalfredo, um ser que recém começava a falar, só poderia imitar aquele palavrão com 'Fefedo. Ele garante que gosta de ser chamado assim, vai saber.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Ciganos

Como já devo ter explicado, meu trajeto para a escola passava pelo ‘campinho do Douglas’. Curitibanos é uma cidade de morros por tudo quanto é lado. As ruas e os carreiros normalmente eram em infinitas subidas e descidas. Para chegar no campinho, eu descia um ladeira grande em forma de carreiro que acabava no meio do campo. Aí era só ir pra trás do campinho, pegar outro carreiro e cortava um bom caminho até a escola.

Um dia eu estava viajando nos meus pensamentos, olhando pro chão, quando cheguei no começo do carreiro no alto do morrinho, vi que tinha um monte de barracas e caminhonetes no campinho. Contei umas quatro F-1000 e sete barracas grandes, coloridas e de formas diferentes.

Desci o carreiro e passei pelo lado do acampamento onde um monte de gente falava num idioma enrolado. As mulheres usavam e abusavam no batom e usavam vestidos longos vermelhos. Os caras usavam óculos escuros e barbas grandes. Todos usavam e abusavam de jóias douradas.

Como tava na minha hora, apressei o passo e fui pra escola. Lá contei pro povo e ninguém soube me explicar que tipo de gente ela aquela. Minha professora resolveu a questão: eram ciganos, um povo sem pátria e que vivia mudando de lugar, sem moradia fixa. Hum.... Então quer dizer que a gente ia ter o campinho de volta, né? Então beleza.

Cheguei em casa e falei pra empregada e a mulé ficou preocupada, dizendo que eles roubavam crianças e adoravam coisas douradas. Ficou brava quando eu falei que passei perto deles e ninguém sequer olhou pra mim. A loca fez eu prometer que não passaria perto do campinho enquanto eles estivessem lá. Fiquei de cara com o desvio que teria que fazer, mas resolvi escutar.

Eles ficaram uns quinze dias, tempo suficiente para maldizermos toda a raça dos ciganos por ocupar um dos campinhos mais usados pela piazada por tanto tempo. Quando foram pra outro lugar, vimos que deixaram montes de sujeira e umas valetas pequenas que acabaram detonando o campinho.

ps. Antes que isso me incomode mais, Houaiss nos explica que ‘carreiro’ é um regionalismo do Sul do Brasil e em Portugal que significa caminho estreito, atalho. Lá em Portugal, é um sulco aberto no chão pela passagem contínua de carros. Os que eu cito são uma mistura dos dois. Carreiros são atalhos, ou caminhos estreitos que foram originados pela passagem contínua de pessoas. Mais precisamente, piás.

Caminhadas e guarda-chuvas

Nos primeiros dias de aula, minha mãe achava por bem me levar pra aula de Fusca. Como eu era o mais novo da turma, eu queria fazer o que os outros faziam. Uma destas coisas era ir a pé pra escola e voltar da mesma forma pra casa.

Lembro que lá pelo terceiro ou quarto dia eu reclamei que ela não precisava me levar, que eu era o único que ia de carro pra escola, que era pra eu largar mão de ser melhor que os outros, que... Acho que foi isso.

Como no primeiro ano década de 80, seqüestro de crianças era uma coisa que não passava pela cabeça de ninguém, ela só pediu pra eu ter atenção na hora de atravessar a rua do posto de gasolina. Acho até que ela ficou aliviada e logo ia inventar alguma coisa pra me fazer ir a pé. Só se que me senti O adulto por poder chegar na escola com meus próprios pés.

Já na primeira chuva, fui ter a idéia de pedir carona e ela me olhou bem e disse. “Ué? Não queria ir pra aula a pé? Vá de guarda-chuva!”. Nem soube o que responder e fiquei na minha. Peguei o trambolho e fui pra escola.

Lógico que, na volta, não tava chovendo e nem me passou pela cabeça que existiam guarda-chuvas no mundo. Aquele foi o primeiro dos milhões de guarda-chuvas que eu já perdi até hoje e dos bilhões que eu vou perder até o final dos meus dias.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Cara de bobo

Vez ou outra, quando o pai estava em casa, eu e Fefedo ficávamos brincando dentro da cabine do caminhão. Uma vez, depois de decorar as revistinhas pornográficas que encontráramos, meu irmão quis me assustar e pisou na embreagem. A rua na frente de casa não era plana, e o pisão bastou para fazer o caminhão descer um pouco.

Dias depois eu aprendi o que ele fazia e resolvi testar sozinho a brincadeira. Terminou em choro.

Entrei devagar, fiquei de pé na frente da direção, respirei fundo e pisei na embreagem. Na hora o caminhão se mexeu e, na minha cabeça, por um instante eu achei que ele não iria parar. Tão rápido quanto o pensamento, carquei o pé direito no freio com medo. E agora? será que vou ter que ficar com o pé no freio se não o caminhão não fica parado? Beeeem devagarzinho, fui tirando o pé e novo sobressalto: o 1113 se mexeu!

Lá fui eu, tremendo, pisar o pé no freio bem rápido mais uma vez. Aí já tava em pânico, pensando o que eu tava fazendo de errado. Resolvi fazer o que qualquer piá da minha idade faria: berrei feito loco pro meu pai me ajudar!

Não era questão de sorte, mas meu pai tava na janela do quarto da frente, fumando e olhando o que eu tava aprontando. Fiquei de cara por ele não ter ido logo, correndo, como exigia a situação, mas devagar, contando os passos.

Ele subiu no pequeno degrau que ficava entre o pneu dianteiro esquerdo e o tanque de diesel, colocou a cabeça pra dentro da ‘gabine’ e falou. “Que que você tá aprontando aí, piá?!”. Gaguejando, respondi. “Acuda pai! O caminhão tá se mexendo e eu tô freando pra ele não andar!”

Ele deu uma olhada em tudo, pensou e pediu pra eu tirar o pé do freio. “Não! O caminhão vai andar, entre aqui e me ajude!”, falei, quase berrando. “Ara! Tire que eu tô mandando!”, retrucou. Eu obedeci e tirei. O caminhão moveu só um pouco, fez uns barulhinhos de leve e parou. O pai deu a risada marota e eu fiquei com cara de bobo...

terça-feira, novembro 08, 2005

O mapa

Como meu pai vivia viajando, vez ou outra trazia alguma coisa de presente pros filhos. Nada que a gente pedisse. Quer dizer, na verdade a gente não pedia nada, mas sobre isso eu falo no futuro. Voltando ao começo, às vezes ele trazia alguma coisa e, em uma delas, trouxe um mapa mundi. Pra ficar fácil, resolvemos colocar o mapa pregado na parede perto da minha cama.

Era comum eu ficar horas e horas vendo todos os países de nomes malucos, com capitais com nomes mais malucos ainda e com o tempo acabei decorando tudo isso. Na parte inferior havia as bandeiras, moedas, idioma, população e área. Além do mapa loco da terra de pinguins e sua divisão entre os países chiques.

Como não havia pressão pra eu saber tudo aquilo, aprendia aos poucos, pirando com várias coisas e cheio de perguntas sem respostas. O mesmo cara resolveu colocar lugares com nomes parecidos? como Budapeste e Bucareste, Guiné pra lá e pra cá, Suécia e Suíça, várias lândias e lands, Irã e Iraque, China, Chipre e Chile (O tipo do Chile, uma tripinha!), Níger e Nigéria, Togo e Tonga? Tonga é nome de país ou xingamento?

E os lugares de formas parecidas. Já reparou como a Romênia é parecida com o Paraná? Até o litoral é semelhante! E a Bahia ser parecido com Brasil, que se parece com a América do Sul, que se parece com a África? Que diabos querem dizer com a Austrália, de nome parecido com a Áustria ser a maior ilha? E a América não é ilha! Olha o tamanho! E a Europa e Ásia então? Pô! E Lesoto? que é cercado de África do Sul por tudo quanto é lado? E estes países que tinham formas em linha reta? Como que sabiam até onde ia? Tinha cerca? Não é rio que divide as coisas sempre?

Caraca! Como a União Soviética é tão grande? E como a Groelândia parece ser do mesmo tamanho que a Austrália se é bem menor? Por que a Dinamarca é dona da Groelândia e não conta isso pra calcular o tamanho e os Estados Unidos podem contar o Alaska?

E os idiomas? Tá, o país fala um idioma cujo nome se parece com o do tal país e nós falamos português pois Portugal mandava antes, Estado Unidos e o inglês mesma coisa. Um monte de país falando espanhol. Mas e a China e o mandarim? Mandarim já foi país? Ou mudaram de nome pois China era mais bonito?

Bandeiras. Que coisa mais fácil e engraçada de fazer a da Líbia. Tudo verde! E como holandeses e franceses não se confundiam? E os alemães ocidentais e os belgas? E o que os caras de Nepal queriam quando resolveram criar uma bandeira diferentona? Ao menos é melhor que esse mundo de país com bandeira só com faixas de cores, sempre variando entre duas ou três cores.

Pelo menos, com tudo isso, sabia aos sete anos todas as capitais das Américas, da Europa e da Ásia. Meu Calcanhar de Aquiles eram os pequenos países da Oceania e alguns africanos. Fora os fáceis, que o nome do país é o mesmo do da capital. Kwait, México, Mônaco, Panamá, Luxemburgo e Singapura e mais alguns. Povinho sem imaginação...

segunda-feira, novembro 07, 2005

Simpatia

Dona Jaci, minha avó, era famosa no lugar por ter tido vários filhos, muitos netos e, como matriarca do lado paterno da família, algum prestigio na sociedade da 'Cidade Alta'. Entre as mulheres, era famosa por fazer simpatias. Verdadeira bruxa brasileira, sacumé. A mais famosa acontecia quando ela era procurada por mães aflitas de filhos que teimavam em não aprender a caminhar. E isso acontecia muito, cara!

O negócio acontecia assim. Perto do portão da parte de trás da casa, ela pedia pra mãe segurar a criança, de modo que o serzinho perdido 'caminhasse' e atravessasse o portão. Tudo isso acontecia com a Dona Jaci, de posse de um machado, fizendo cruzes no chão, por onde a criança deveria passar. Havia umas frases de efeito ou umas rezas, mas eu não lembro o que elas falavam durante a 'mandinga'.

Se dava certo? Bom. Alguém conhece uma criança de pernas/coluna perfeitas que não tenha aprendido a andar com o tempo? Eu acho que a minha avó sabia disso, pois sempre que aparecia alguém pra benzer o filho ela dava umas olhadas incrédulas pra cima e ia lá pra continuar com a fama.

sábado, novembro 05, 2005

Futeba na escola

Então. Como eu era o ser mais novo do planeta ‘primário Gaspar Dutra’ nunca tinha vez nas partidas profissionais no campo principal da escola. Da mesma maneira que tinha quase um adulto na minha série, nas outras também havia vários anciãos. O campo principal tinha as dimensões de um campo de grama sintética. Dava pra fazer um time de até oito pra cada lado. Como a população masculina do lugar não devia passar dos cinqüenta, metade gladiava neste local.

A outra metade se dividia entre os que brincavam de jogar bulica, correr um atrás do outro, etc. Mas uns dez ou doze iam pro campinho nos fundos jogar bola. Neste lugar eu comecei a conhecer melhor os amiguinhos mais chegados dos primeiros anos. Com certeza foi ali qu’eu aprendi muitas das regras de convivência social que existem.

Dá pra enumera-los: mentir convenientemente, mentir descaradamente, reconhecer um maria-vai-com-as-outras, como é complicado ter uma opinião diferente, reconhecer a inferioridade(numérica, hábil, etc), provocar confusão, brigas e humilhações, covardia, marotice, safadeza, orgulho, como começar uma briga, como terminar uma briga, como não terminar uma briga. Tem bem mais coisas, mas cansei de usar vírgulas...

Quem diria que com menos de oito anos dá pra aprender um monte de coisas num campinho de futebol onde as traves eram duas pedras grandes. Bem, tem mais uma. Como a escola era num morro, qualquer bola chutada errada no canto esquerdo do gol dos fundos era um problema dos grandes. A bola pegava uma velocidade e parava muito longe. E quem chutou que busque, porra!!!

Encontrando miss J-janelinha

Primeiro dia de aula. Cheguei na nova sala e a professora mandou eu escolher um lugar pra sentar. Achei que a melhor posição seria no meio de tudo, pra não me notarem tanto. Todos já estudavam juntos desde o começo do ano e eu, alguém novo, mais novo que todos e sem conhecer ninguém, fiquei entre sentar sozinho ou dividir a carteira com uma menininha morena, de franjinha quase chegando nos olhos castanhos. Escolhi última opção, vencendo uma vontade grande de ficar sozinho. Logo descobri seu nome: miss J.

Entre os colegas próximos, logo fiz amizade com o pelezinho da turma, que por coincidência era primo da Miss J. De resto, lembro que havia o Augusto, rapaz mais alto da turma, magro com cara de bonachão, que recebia todos os olhares dos colegas quando cantávamos “Salve símbolo augusto da paz...”. Não sei bem o motivo, mas cantávamos o hino nacional e o hino da bandeira toda semana. Diferente das outras escolas, ali as cantorias eram separadas por turma. Então, enquanto estudávamos vez ou outra, alguma sala estava cumprindo o dever cívico. Vai ver era por causa do nome da escola, o generalíssimo, tal...

De resto, dava pra notar que entre a maior parte de seres de sete anos, havia alguns bem mais velhos. Piás e meninas de dez, doze anos e o recordista: um cara loiro de 14 anos, cujo nome se perdeu no tempo, mas que durante todo meu tempo naquele lugar, defendia os piás da sala e mandava no campo principal de futebol com mão de ferro. Era engraçado um piá da primeira série mandar nos vacilões da quarta sem sequer ser contestado. Estudei com todos eles até a terceira.

sexta-feira, novembro 04, 2005

A escola

O GEGGD não foi a minha primeira escola. Para se chegar no lugar, bastava pegar o carreirinho que dava no campinho do Douglas, chegava na rua Rui Barbosa e, na Igreja São Pedro, a rua se dividia em duas. A da esquerda, virava uma rodovia intermunicipal que acabava no município vizinho de Lebon Régis, a da direita subia um morro alto e, lá no topo, ficava a Rádio Coroados de um lado e a minha escolinha do outro. Se você por acaso fosse reto, ia chegar no terreno de um bisavô meu.

Cito a rádio para vocês saberem que o morro era bem alto, o ponto alto da região urbana da cidade. Vem desta topografia o sentimento de cansaço na hora de ir pra escola e o alívio ao voltar pra casa. Era comum a criançada descer correndo as três quadras de descida pra chegar rápido o suficiente pra se ver 17h30 o Sítio do Pica-pau amarelo. Tombos? Nunca vi.

A escola era bem pequena, com apenas cinco salas para serem usadas no ensino de 1ª a 4ª séries e uma casa separada para o pré. As salas eram bem espaçosas com um quadro negro de cor negra – diferente dos verdes que existem por aí -, quatro fileiras de carteiras duplas, daquelas em que você sentava com um colega e as mochilas, pastas, malas, eram colocadas debaixo do banco. Por algum motivo obscuro, ninguém usava esse local, preferindo deixar no chão. Acho que, além de ser mais fácil, evitava o aborrecimento de incomodar o colega se precisava de algo.

Engraçado que eu lembro de provas, mas nunca de neguim colando ou se a professora tentava evitar isso. Acho que não passava pelas nossas inocentes cabeças colar de alguém. Loco!

Aula e os problemas que um tcheco provoca

Então. Passei o ano de 81 aprendendo aos poucos a ler e a escrever o suficiente para que minha mãe falasse com a diretora do Grupo Escolar General Gaspar Dutra (GEGGD/ grande ovo tipo D) e me colocasse como aluno ouvinte na primeira série em outubro como experiência.

Como a cidade era pequena, a diretora era amiga da dona Voninha e eu sabia mais que todo mundo na minha sala, elas resolveram adiantar a minha vida. Aquele único e último bimestre de 81 virou, para o histórico escolar, a média do ano inteiro. Com isso, eu acabei não gravando o nome da primeira professora para futuras conversas sobre o tema.

Ao escrever esse post, lembrei que já pensei no que poderia acontecer comigo, ou que perigo poderia haver se alguém soubesse que eu fraudei o sistema educacional brasileiro.

Será que eu teria que fazer a primeira série de novo? Será que viraria um personagem do Franz Kafka? Será que o praga de Praga me colocaria em algum julgamento maluco, com gente me julgando sobre outras coisas e, numa lógica de maluco, dizendo que tudo está ligado? Será que eu estudaria em um prédio com paredes e portas que se movem a toda hora, entrando em salas diferentes nesta primeira série com outras pessoas na mesma situação?

Caraca... Acho que consigo escrever um livro sobre esse tema. Pira eu tenho... E este blog já me deu idéias de escrever quatro livros já! Louco...

quinta-feira, novembro 03, 2005

Acidentes

Dona Voninha sai de Fusca pelas ruas da cidade com o Fefedo no banco da frente e eu e João, nenê de colo, atrás. Ela desce a rua Antonio Rossa, furou o sinal/semáforo/sinaleiro da esquina com a Salomão Carneiro de Almeida (guardadas as proporções, Marechal com Marechal em Curitiba). Com a manobra imprudente, ela bateu num Chevette azul, que com o abalroamento, acertou uma Kombi bege.

O João estava deitado no banco, sobre um travesseiro, e com a coisa toda, caiu no chão atrás do banco da mãe e o travesseiro caiu por cima. Eu, com medo somando ao atordoamento, pensei o pior, que o caçula tinha se machucado. Tirei bem rápido o travesseiro e vi ele rindo da coisa toda...Ufa...

Duas batidas e nenhum machucado! Teria a família o corpo fechado pra essas coisas?

Pistas

Foram três os locais mais utilizados para corridas de carrinho de rolamento. O primeiro, e que meu irmão gostava mais, era na calçada da rua que passava ao lado do museu, igreja matriz e salão paroquial da principal casa católica de deus da cidade. Segundo o Fefedo, era lá que ele pegava mais velocidade, por ser sobre uma superfície de cimento e limpa.

Ele se achava o gostosão poderoso por apavorar os piás que moravam nas redondezas e que o achavam maluco por usar um lugar tão estreito, descendo a rua com uma velocidade tão grande. A segunda era uma rua paralela à nossa e era mais pelas companhias que pelo prazer de andar, correr e derrapar naquela pequena descida.

A terceira ficava na mesma rua em que morávamos, mas na parte onde não havia calçamento e as ‘carreras’ eram disputadas nos caminhos que as constantes circulações de veículos. Era uma ladeira muito grande, que assustava qualquer um que via aqueles piás descendo em dupla a toda, atingindo velocidades proibitivas, se vistas pelos pais desinformados. De saldo de aquilo tudo, os ‘responsáveis’ só viam joelhos e cotovelos eternamente esfolados.

Pra ajudar a frear a descida, lá embaixo ficavam vários pedregulhos, que paravam lá pela lei da gravidade que também exercia a sua força na colina da rua Napoleão Sbravatti. Só o que cansava mesmo era ter que subir o dia todo aquele morro estilo slalon gigante, para os entendidos de esqui na neve, para novas corridas.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Aplicando o ofício

Com todos os ‘ingredientes’ preparados, mãos à obra! Pegue uma tábua da largura que comporte a bunda de um piá entre seis e dez anos e o comprimento suficiente para que este mesmo piá fique sentado com os pés esticados. Escolha um dos extremos, marque com um lápis para serrar a madeira de modo que imite o bico de um fórmula 1, ou seja, quase triangular, mas com a ponta chata.

Vem desta época o começo de gostar tanto de corridas matinais no domingo global, narradas pelo emocionado Luciano do Valle e torcendo sempre para a Brabham de Nelson Piquet, disparado o melhor piloto brasileiro que existiu. Senna? pfffff

Agora imagina uma caixa de bis. Hum... Melhor, pense em duas caixas de bis colocadas de lado a lado, grudadas pelo lado menor. Pensou? Agora coma a primeira fileira de cada uma destas caixas como prêmio pra ficar pensando essas coisas e por ler meu blog. Eu espero...

(...)

(...)

Então. Depois de comer uma coisa que eu nunca vi naquela época de fabricações de carrinhos, voltamos às associações de idéia. O que sobrou das caixas de bis, duas fileiras, dão um tamanho aproximado das madeirinhas que precisávamos para colocar os rolamentos com embute.

Primeiro a parte traseira. Com uma faca/facão esculpíamos as extremidades de modo a conseguir que entrassem os dois rolamentos. Pra evitar que eles saíssem, usávamos pregos e lascas para firmar melhor a coisa toda. Depois de pronto, pregávamos esta madeiras na parte inferior daquela tábua do primeiro parágrafo.

Experiências bem fundamentadas indicam que carrinhos de ‘rolimã’ com três rolamentos (dois atrás e um na frente) eram bem melhores que os de quatro (dois na frente). Prós não faltam. Eles tinham muito mais agilidade, que permitiam manobras mais perigosas. Quase coloco a palavra ‘radical’, mas este vocabulário não existia em 81. Havia mais estabilidade, dirigibilidade e corria bem mais.

Outro dado que contava bastante era que conseguir três rolamentos e embutes era bem mais fácil e barato que quatro, né! E só precisava de dois iguais, já que o da frente poderia ser maior.

Então vamos pra parte da frente? Na tábua principal era feito um furo, por onde entrava um parafuso grande, com porcas e ruelas. Outro furo era feito na outra madeira com as medidas bismétricas, por onde passava o parafuso com novas porcas e ruelas. Mas antes de colocar o parafuso, vamos colocar o rolamento da frente na tal madeira, que servia de direção para o bólido..

Junto a essa madeira, eram pregadas duas novas madeirinhas com um espaço no meio. O rolamento que faltava era colocado em algo parecido com um cabo de vassoura, etc. Para deixá-lo firme, lascas e pregos eram usados da mesma maneira que os de trás. Este pedaço de ‘cabo de vassoura’ era pregado naquelas duas tabuinhas com farta quantidade de pregos.

Acho que aí está descrito um carrinho básico daquela época. Como eram feitos vários, com o tempo, alguns acessórios eram adicionados. Freios de mão nas laterais, encostos na traseira e pinturas a base de canetas bic e lápis de cor.

O carrinho ‘tunado’ que eu mais gostei, que tinha tudo isso que a gente tinha direito era um que meu irmão fez com um pedaço de pano vermelho acolchoando o encosto. Tá tudo muito bem, tá tudo muito bom, mas depois de alguns dias, o trabalho foi pro beleléu depois que uma chuva fora de hora molhou tudo e estragou a coisa toda...

Espero tenha conseguido fazer com que os leitores entendam como era feito um carrinho no começo da década de 80, mas qualquer coisa, usem os comentários para perguntas técnicas.

terça-feira, novembro 01, 2005

Componentes de um carrinhos de rolamento

O Fefedo chegou a fazer um carrinho de rolamento por dia, pois fabricava de manhã, ficava a tarde inteira descendo uma rua, quebrava o carrinho em uma das derrapadas mais perigosas e tinha que voltar na labuta na manhã seguinte. Morávamos em um lugar propício pra fazer este tipo de arte de uma maneira particular.

Como Curitibanos era uma cidade com muitos caminhoneiros, ele usava rolamentos com embute. Embute(imbuti para a piazada) é um pedaço de borracha em forma de pneu que ficava no tirante do caminhão. Tirante é uma espécie de braço que segura o eixo de caminhões ou carretas.

Os ‘fabricantes’ de carrinho martelavam por uma meia hora o rolamento para dentro do embute, já que precisava ficar muito justo para não sair em derrapadas mais bruscas. Para se ter rolamentos, bastava ter veículo com rodas no lugar. De acordo com meu irmão, a lenda dizia que os que ele usava era de moto e corriam mais. Todas estas alegações vinham da sabedoria de crianças entre seis e dez anos e que analisavam a coisa toda.

Outra atividade bastante comum na cidade era a de madeireiro e todas as suas manufaturas. A meia quadra de casa havia uma marcenaria bem grande, que possuía um bom estoque de madeira para ser ‘aliviado’ pelos piás das redondezas. De posse de todos estes apetrechos, bastava ter um martelo e pregos. Com um pouco de cara de pidão, era só pedir pra mãe e ir comprar na mercearia do Ziro.

Carpinteiros

Conta a história que a dona Ica, minha avó, dominava a arte da carpintaria. E também o faziam seus nove irmãos. Segundo dizem, todos eles poderiam construir uma casa tranqüilamente e aprenderam na marra, pois foram criados pelo pai, já que perderam a mãe bem cedo e minha avó, a irmã mais velha, virou a mãe postiça.

Dá uma olhada no nome dos figuras, filhos do Vovô em seqüência: Nereu, Nerino, Anália(minha avó, que virou Ica), Eulália, Natália, Amália, João, Abraão, Francisco, Itália. Os meus tios viraram gerentes do Banco do Brasil e a filha mais velha do seo Alfredinho usou as mãos pra tarefas mais delicadas: tricô, crochê e bordados. Estes últimos mais raramente.

Quanto aos netos, coube ao Fefedo honrar a profissão da família. Virou carpinteiro, com pós, mestrado e doutorado em fabricar carrinhos de rolamento. Não dá pra saber quantos carrinhos ele fez, mas dá pra saber que de tanto eu vê-lo fazendo aquilo, tem certeza que posso fazer a mesma coisa.